O desafiante equilíbrio da descarga de dopamina

Eu queria contar aqui o que aconteceu comigo quando fiquei 30 dias sem açúcar e farinha (32 precisamente – e hoje, dia que escrevo este texto estou no 4º, de uma meta de 50 dias, depois de ter, no 32º dia, comido 2 colheres do meu sorvete favorito: Haggen Dasz de chocolate belga, mesmo sem qualquer desejo).

Na verdade, são várias causas e consequências mas, decidi focar este post em um tema só.

Claro que perdi peso, gordura total e gordura subcutânea* – e foi significativo – mas, meu foco aqui vai ser: a regulação da dopamina. A regulação da busca por prazeres momentâneos.

Importante eu dizer três coisas aqui que considero fundamental:

1.     Eu não tinha a intenção de alterar meus níveis de dopamina. Não foi essa a minha motivação inicial. Acabou sendo uma consequência e eu estava consciente o suficiente para perceber isso.

2.     Nós não precisamos viver em restrição de coisas saudáveis e que nos trazem alegria para regular um neurotransmissor que está associado a motivação, prazer, aprendizado e tem um papel fundamental nos níveis de serotonina. Essa privação pode ser um estressor e, uma vez com níveis maiores de cortisol, você automaticamente vai querer buscar coisas que tragam recompensas imediatas.

3.     O que eu acredito mesmo para esse ajuste, são em pausas, em regulação e não abstenção, como cita o Dr Peter Grinspoon, médico e professor da Harvard Medical School e escritor.

Para entender melhor, me inspiro nas abordagens do Eslen Delanogare, psicólogo e neurocientista comportamental e sugiro acessar o conteúdo dele no YouTube, caso queira saber mais.

Diferente do que muita gente diz, a dopamina não é o neurotransmissor só do prazer mas, principalmente da motivação. Ao nos sentirmos motivados, temos uma descarga de dopamina. Estudo que mensuraram o nível de dopamina em macacos, perceberam que o desejo, o impulso da vivência aumentava muito mais a dopamina do que o durante a ação. A dopamina é uma antecipação da recompensa.

Esse mecanismo fisiológico passou a existir para que o homem tivesse motivação para buscar a sobrevivência caçando e procurando bebida (não a de comer e beber), de buscar a procriação (não o ato em si). Só que hoje, não precisamos mais deste mecanismo: a água sai pela torneira, a comida é de fácil acesso para a maioria dos seres humanos.

Mas com a vida moderna tantos outros fatores passaram a estimular a nossa produção de dopamina que não somente as necessidades ancestrais.

Veja bem, ela é sim necessária para nos manter ativos, motivados, produtivos. A questão é a seguinte: quando “consumimos” substâncias ou situações que estimulam em alto nível a produção de dopamina quando da iminência da experiência, aumentamos o nível basal desse neurotransmissor no nosso cérebro. Saímos daquilo que a ciência chama de “liberação tônica”, que é aquela em níveis constantes, ritmados, para a chamada “liberação fásica”, verdadeiras bombas de dopamina.

Na medida em que a liberação fásica vai sendo mais frequente, as liberações tônicas, vão ficando mais “fraquinhas”. E, com esse basal mais baixo, seu cérebro vai ficando incapaz de produzir níveis que te deixam constantemente motivado e a sentir prazer com as coisas simples. E vai tendo os “ups and downs” de motivação. Essa pessoa então, passa a operar na liberação fásica, com as bombas de dopamina. Sem elas, passa a sofrer de anedonia (falta de prazer).

A outra consequência é que a experiência com as liberações fásicas, faz nosso cérebro associar a motivação somente às situações de baixo ou nenhum esforço. Manter a constância em atividade física, por exemplo ou imprimir qualquer hábito que te dê recompensas futuras, fica mais difícil do que já é.

No meu caso específico, eu alimentava meus níveis altos de dopamina com pequenas doses de açúcar - doces ou pães - ao longo do dia. Quando passei a observar – não só observar mas anotar o que eu comia – eram pequenas bombinhas de dopamina em um dia só. Essas oscilações eram disfuncionais para mim.

O açúcar especificamente, seja pela sua ação glicêmica ou dopaminérgica, interferia em muitas coisas que eu tinha como objetivo de saúde e bem-estar e não conseguia alcançar (e que explico em outro post):

1.     Diminuição de uma inflamação sistêmica que me geravam dores que estavam a caminho de se transformarem em crônicas;

2.     Estagnação no avanço no combate à minha resistência à insulina;

3.     Dificuldade de perda de gordura subcutânea;

4.     Muito tempo no celular que comprometia meus estudos, meu trabalho e administração da minha casa – outra fonte de liberação fásica de dopamina;

5.     Dava umas procrastinadas no treino de manhã até acabar a energia no final do dia e usar isso como desculpa.

Então eu precisava mudar! E começar por um dos gatilhos que alterava meus estados dopaminérgicos, foi uma decisão inteligente. Ao invés de mudar mais de uma coisa ao mesmo tempo. Depois do açúcar, sinto que consigo assumir as rédeas das situações que requerem motivação e são comprometidas por ações de recompensas fáceis. E, ainda assim, manter esse neurotransmissor ativo e em níveis funcionais.

Senti também que, de certa forma, fiquei mais focada em outras coisas. Como se meu cérebro buscasse alguma compensação por falta daquele prazerzinho rápido. Como uma praticante (nem sei se esse seria o termo certo…) do mindulfulness e, que tem presença na minha vida em ondas, passou a ser um estado com maior frequência no meu dia-a-dia. Já falei do mindfulness e sempre cito o “viver no estado presente” como um grande aliado nos estados de humor – ansiedade, depressão - e produtividade - leia posts anteriores.

Passei a treinar com mais intensidade e produzir mais conteúdo para divulgação do meu trabalho. E considero colocar energia nos treinos e no meu trabalho muito mais positivo do que as alterações químicas negativas que o consumo de açúcar causavam no meu corpo. Concorda?

Se você sente que precisa regular esse neurotransmissor pois algum vício está prejudicando áreas da sua vida, recomendo fazer sim mas antes, se informar, planejar e, se sentir necessidade, busque um profissional capacitado. A ciência diz que depois de 14 a 21 dias, você já consegue ajustar os níveis dopaminérgicos.

E trago em outro post os ganhos nas minhas condições metabólicas e de inflamação. Aguarde!

* Ah, nesses 30 dias, fiquei também sem farinha branca, mas não corridos. Houveram 5 dias em que comi: 2 dias de pão de queijo (a tapioca também é farinha branca!), 1 dia de pastel assado e 2 dias de frango empanado. Duas coisas já fazem parte da minha vida: não consumo bebidas alcoólica e a minha rotina de atividade física diariamente, portanto a única coisa diferente, foi a exclusão do açúcar e farinha branca mesmo. Portanto, credito esse resultado a esse fator.

Anterior
Anterior

Tome as rédeas da sua saúde

Próximo
Próximo

Disciplina e resultados. Os esforços são proporcionais. Compra um, leva o outro!